quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Sou tudo isto, e nada sou...

Estou em paz.
Respiro fundo e sinto a vida entrar dentro de mim, plena de amor, energia e aceitação. Hoje sei que não sou o que sofri, hoje sei que não sou os meus sucessos, hoje sei que não sou os meus erros, nem as minhas vitórias, nem as minhas derrotas. Não sou o que perdi, nem o que ganhei. Sou apenas mulher, capaz de transformar aquilo que sinto, e penso, e vivo, por toda a sabedoria da minha própria condição. Não quero nada que me prenda à liberdade de viver dentro de mim, quero as minhas verdades que não são verdadeiras nem falsas, apenas o espelho do que trago em mim. Guardo a intenção profunda de respeito por mim e pelos outros, e de ser genuína naquilo que sou e trago. Manifesto inúmeros defeitos que a vida me vai permitir olhar dos ângulos possíveis, para os transformar em auto
conhecimento e amor.
Sou o que como, o que respiro, o que penso, o que sinto, e aquilo que sou apenas agora. Sou tudo isto, e nada sou. Vivo em paz com o meu passado, e dele só quero o perdão, a consciência que não mudo ninguém, a intenção de me livrar do julgamento e do fundamentalismo, e a vontade de me conhecer com ele, nada mais. Quanto ao meu futuro, apenas peço à vida que me coloque os desafios necessários para crescer e aprender, porque nada controlo, nem quero controlar. Desejo apenas semear aquilo que quero ver nascer em mim e naqueles que comigo vivem. Quero a simplicidade, a gratidão e uma vida plena de amor. De tudo isto do que sou agora, estou em paz, e nela quero estar e continuar a viver.

D. G. Duarte

Fotografia: R. Santos

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Dedal de vidro - parte 2



  Com o olhar fixo nos grãos de areia que tocavam nos seus pés descalços, disse:
  - Hoje acordei pela manhã e respirei como se fosse a primeira vez que os meus pulmões tivessem sentido o ar inspirado pela primeira vez. Comecei a chorar. Senti-me libertada de uma prisão interior, de uma prisão que não me deixava ver o que realmente eu precisava ver e que agora eu já não vejo mais…
  Não entendi nada o que ela me dizia, mas senti que estava de coração apertado e então, pedi-lhe para continuar.
  - Estive cega querida Ana! Cega durante o tempo que eu mais precisava de ver. Fui vítima de uma realidade que eu própria criei, uma realidade que não era a mesma de quem eu queria que a visse e por isso ela não a conseguia decifrar. Não fui vítima, nenhum de nós foi. Ambos fizemos os nossos erros, tivemos as nossas indecisões, as nossas dúvidas mas hoje...Descobri onde falhei! Falhei em lutar por ela nos momentos que ela mais precisava que eu lutasse. Falhei por querer quebrar laços por ver que estes estavam a ser postos à prova e por não os suportar com consciência, com maturidade. E dizia eu que era tão matura...!- refletia Mia, de olhos cheios de lágrimas prestes a verter - Por vezes procurava respostas para entender o porquê, o motivo que a tinha levado a fugir e a refugiar-se de mim e agora eu sei. Uma parte de mim sabe ou pelo menos tenta saber… - continuava.
  Abracei-a, vi como estava frágil ao saber a consequência dos seus atos, de tentar chegar ao seus porquês e por ter pedido respostas.
  - Agora sei o quanto fui injusta, o quanto eu queria respostas que realmente ele não me poderia dar. Mas o que me conforta neste momento é o facto de eu acreditar que ele neste momento se encontra bem. Está bem como nunca esteve! Está a viver uma experiência de vida que o deixa de certa forma realizado e que mesmo que eu quisesse dar-lhe uma experiência semelhante não lhe poderia dar. Não tinha como...Era injusto privar-lhe dessa felicidade, era injusto intrometer-me num mundo em que eu já não sou recebida de coração cheio. Não lhe desejo mal nenhum, de modo algum. Até pelo contrário. Desejo que ele vença e que ultrapasse todos os obstáculos que lhe surjam. - acabou por concluir de uma forma aliviada.
  Senti orgulho, orgulho nela e por ela. Senti que algo a perturbava e que ela o conseguiu superar pelos próprios meios. Vi naquela mulher, uma mulher que desejava ser amada e que não tinha sido, uma mulher que lutava por algo que não era seu, que não lhe pertencia e que, mesmo passado todo este tempo, conseguiu ver isso e ter a capacidade de se perdoar por ter falhado. Sabia que se este amor fosse o dela, ela iria lutar por ele. Talvez os seus erros possam ter sido úteis, para a fazer crescer.
  Agora sim, ela voltou a ser a Mia que eu conhecia. A Mia de olhos grandes e de sorriso encantador. Agora sim, ela sentia-se livre!


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Dedal de vidro - parte 1


Ela aparentava uma calma estranha no meio da correria que era habitual no seu dia. Estava triste. O seu verdadeiro sorriso escondia-se atrás dum sorriso amarelo. Que se passaria entre os seus pensamentos e palavras? Talvez estivesse ferida… ferida por acontecimentos menos bons, ferida por ter causado má Impressão, por ter decidido arriscar e ter-se estatelado por esta estrada fora, ou pior, ferida na alma. Ela agia como se nada fosse, como se tudo estivesse no seu ambiente natural, apelidado de “normal”, rotineiro, mas aquele sorriso escondia uma agitação interior e o seu olhar… esse observava uma realidade bem diferente daquela que estava mesmo ali à sua frente. Perguntei-lhe em jeito de brincadeira o que tinham feito ao seu sorriso, se alguém se tinha arriscado a pedi-lo emprestado ou mesmo a roubá-lo, quiçá. Ela esboçou com as linhas do seu rosto o que poderia ser a sua resposta. Disse-me que não era nada, mas este nada já eu conhecia bem. Era um nada preenchido de sentimentos que nada tinham de vazios…